sábado, 19 de junho de 2021

Desastre


Desastre

Ele ia numa maca, em ânsias, contrafeito,
Soltando fundos ais e trêmulos queixumes;
Caíra dum andaime e dera com o peito,
Pesada e secamente, em cima duns tapumes.

A brisa que balouça as árvores das praças,
Como uma mãe erguia ao leito os cortinados,
E dentro eu divisei o ungido das desgraças,
Trazendo em sangue negro os membros ensopados.

Um preto, que sustinha o peso dum varal,
Chorava ao murmurar-lhe: "Homem não desfaleça!"
E um lenço esfarrapado em volta da cabeça,
Talvez lhe aumentasse a febre cerebral.

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Findara honrosamente. As lutas, afinal,
Deixavam repousar essa criança escrava,
E a gente da província, atônita, exclamava:
"Que providências! Deus! Lá vai para o hospital!"

Por onde o morto passa há grupos, murmurinhos;
Mornas essências vêm duma perfumaria,
E cheira a peixe frito um armazém de vinhos,
Numa travessa escura em que não entra o dia!

Um fidalgote brada e duas prostitutas:
"Que espantos! Um rapaz servente de pedreiro!"
Bisonhos, devagar, passeiam uns recrutas
E conta-se o que foi na loja dum barbeiro.

Era enjeitado, o pobre. E, para não morrer,
De bagas de suor tinha uma vida cheia;
Levava a um quarto andar cochos de cal e areia,
Não conhecera os pais, nem aprendera a ler.

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O mísero a doença, as privações cruéis
Soubera repelir - ataques desumanos!
Chamavam-lhe garoto! E apenas com seis anos
Andara a apregoar diários de dez-réis.

Anoitecera então. O féretro sinistro
Cruzou com um coupé seguido dum correio,
E um democrata disse: "Aonde irás, ministro!
Comprar um eleitor? Adormecer num seio"?

E eu tive uma suspeita. Aquele cavalheiro,
- Conservador, que esmaga o povo com impostos -,
Mandava arremessar - que gozo! estar solteiro! -
Os filhos naturais à roda dos expostos...

Cesário Verde

 



"Nuno Santos, de 43 anos e conhecido pela alcunha de ‘Pombinho’, estava ao serviço de uma empresa colaboradora da Brisa na manutenção de autoestradas exploradas pela concessionária. Encontrava-se com outros três colegas a fazer trabalhos na A6, ao quilómetro 77,6, quando foi mortalmente colhido pelo BMW em que seguia o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita. Deixa viúva e duas filhas menores, de 13 e 16 anos."

CORREIO DA MANHÃ

 

Breves notas:

 

 

1.  47 anos depois do 25 de Abril de todas igualdades, podemos garantir que se Nuno Santos tivesse atropelado mortalmente Eduardo Cabrita, estaria preso e arriscar-se-ia a uma pesada pena. Cabrita está em liberdade e não passa pela cabeça de ninguém que venha a ser incomodado pela Justiça.

2. Repare-se como foi o carro que atropelou Nuno Santos. Não foi quem o conduzia. Toda a Imprensa atribui as culpas ao carro, exactamente como quando os muçulmanos atropelam infiéis por toda a parte aqui na Europa (Nice, Londres, Barcelona, etc., etc..). A culpa é sempre e apenas do carro.

3. O acidente está muito mal explicado, o MAI e a GNR têm versões contraditórias, não se sabe quem ia a conduzir, o carro seguia aparentemente fora de mão, mas... o caso está encerrado à partida - pelo menos para os media, que, se o caso se tivesse passado com André Ventura, fariam manchetes tais como "ANDRÉ VENTURA ATROPELA MORTALMENTE TRABALHADOR DAS ESTRADAS". No mínimo...

 

O nosso pesar pela perda desta vida e pela dor causada. Que tenham paz, Nuno Santos e família; pois Justiça, não terão.

 

P.S. - O Inconveniente está a tratar deste caso:

O código de … Cabrita

 


MAI: a culpa é da vítima

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