Ah, o nariz judeu... esse nariz mau e pecaminoso...
Permitam-nos uma introdução:
A ilustração acima é do livro O Cogumelo Venenoso, uma obra nazi que foi livro escolar na Alemanha. Passamos a transcrever um trecho:
"Como identificar um judeu
O nariz judeu é encurvado. Parece o número seis. A turma de meninos do sétimo ano está a estudar a questão de como reconhecer um judeu.
O professor Birkmann fez vários desenhos no quadro para ajudar a turma. O menino Karl está diante do quadro com um ponteiro e explica os desenhos.
Pode-se descobrir quem é judeu pelo nariz. O nariz judeu é encurvado na ponta. Parece o número 6. Por isso é que chamamos "6" aos judeus. (...)
Um dos argumentos que mais ouvimos para "justificar" o ódio aos judeus é a sua fealdade - especialmente a dos seus narizes. Nesse sentido, e como filo-semitas assumidos que somos, preparámos pacientemente as ilustrações que animam este artigo, que traduzimos com muito gosto.
Mas antes, e já que a primeira ilustração deste post foi mais para as meninas (e para alguns meninos), ficamos agora com uma para os meninos (e para certas meninas):
Em cima, temos as perfeitíssimas e bondosas arianas de raça pura, guardas dos campos de extermínio nazis, e em baixo temos a horrenda Princesa Leia da Guerra nas Estrelas, a famosa Carrie Fisher, judiazinha da silva, que até é frequentemente votada a mulher mais sexy de sempre... Horrenda e má!
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Finalmente, e antes de mergulharmos na premente questão judaica dos narizes (porque é que a ONU ainda não votou uma resolução condenando os narizes dos judeus, é para nós um mistério!), avançamos com uma confissão igualmente premente: quem vos escreve estas linhas tem uma predilecção acentuada por senhoras com narizes que se vejam.
O artigo vale a pena, garantimos:
O MITO DO NARIZ JUDEU
Sharrona Pearl,
PUBLICADO ORIGINALMENTE EM
TABLET
A QUEM AGRADECEMOS A AUTORIZAÇÃO DE PUBLICAÇÃO.
O nariz judeu não existe, pura e simplesmente. Então, porque é que este, como tantos outros estereótipos persistiram por séculos, entre judeus e anti-semitas?
Não existe um nariz judeu. Há judeus, e eles têm narizes, como toda a gente. Esses narizes não são de forma alguma notáveis ou significativamente diferentes dos narizes da população em geral. O grande (muitas vezes curvo, frequentemente grotesco, geralmente repulsivo e altamente caricaturado) nariz judeu, é um mito.
Eu não digo isto como um acto de auto-ódio ou um distanciamento de uma característica cultural ou étnica importante de que eu não gosto e que quero abandonar. Eu não sou uma jovem que quer fazer uma cirurgia ao nariz (nem mãe de uma), e não estamos em 1988.
Eu não tenho nada contra os narizes grandes, nem contra os seus proprietários. Narizes grandes há-os praticamente em todo o mundo, em todos os lugares, em proporção aproximadamente igual. Falo como alguém que pesquisou a História da fisionomia, a ligação imaginada entre características faciais e carácter interno, e como o nosso compromisso com essa conexão afecta a forma como julgamos as pessoas. Eu sou uma historiadora e teórica do rosto e do corpo, e penso muito sobre o que os nossos rostos significam ... e o que eles não significam.
Um punhado de judeus horrendos, de narizes encurvados, aos quais as senhoras são altamente indiferentes:
Atraentes ou não, narizes grandes dificilmente são exclusivos dos judeus - ou mesmo particularmente concentrados entre eles. E, no entanto, nós, como comunidade, interiorizamos essa narrativa inventada, imaginando que ela seja uma característica definidora das nossas características físicas e incorporando-a à nossa identidade cultural mais ampla. Mas (e deixem-me dizer isto de novo, claramente e sem ambiguidade): Não existe um nariz judeu.
Alguém realmente mediu. Em 1911, o antropólogo Maurice Fishberg mediu 4.000 narizes judaicos em Nova Iorque (com pinças!) e não encontrou diferença significativa no tamanho ou na frequência de tamanho com a população em geral.
Embora ninguém tenha reproduzido exactamente o muito citado estudo de Fishberg, pesquisas mais recentes sobre narizes mostram que, embora existam genes que controlam a forma e as dimensões do nariz, eles são afectados em grande parte por origem geográfica e não por religião.
O Dr. Kaustubh Adhikari, da University College London, e sua equipa, mostraram que a aparência do nariz é uma adaptação evolutiva:
Os europeus tendem a ter narizes mais estreitos para lidar com o clima frio e seco, enquanto os africanos têm narizes mais largos que os ajudam a regular a temperatura num ambiente mais húmido e quente. O que quer dizer: judeus de diferentes regiões historicamente têm diferentes tipos de narizes, narizes de tamanhos diferentes e narizes diferentes. Assim como todo a gente.
Estas senhoras, todas judias e algumas delas votadas a pessoas mais sexy do ano, também não comovem muito os homens, hã:
Mas quando se trata do nariz judeu, talvez o tamanho real não importe. Mitos são poderosos. E fazem muitos tipos diferentes de trabalho. Muitos judeus abraçaram o mito do nariz judeu com orgulho, como uma maneira de reivindicar uma identidade particular e tornar o seu status de minoria público e visível. Há algo profundamente reconfortante em ser capaz de identificar alguém como judeu por meio dessa taquigrafia rápida e altamente visível. Abraçar o nariz judeu é, para muitos, um meio de recuperar uma característica que foi caricaturada, ridicularizada e manipulada em imagens do século XII através do Shylock de Shakespeare, Fagin de Dickens, da propaganda nazi e mais além. Reivindicar o nariz judeu é uma maneira de rejeitar o uso desse recurso para a opressão, o anti-semitismo e até mesmo para a justificação do genocídio.
"Retrato de um Judeu" - pelo artista judeu Maurycy Gottlieb.
O nariz grande serviu durante muito tempo como um modo visível de distinguir esse grupo invisível dos outros. Como a historiadora Sara Lipton narra em Dark Mirror: The Medieval origins of anti-jewish iconography, não há absolutamente nenhuma evidência visual de judeus em imagens sendo retratados com narizes maiores antes do século XII.
Os judeus eram marcados pelo contexto e por outras pistas visuais, o que era necessário porque, em geral, os seus rostos pareciam-se com os das outras pessoas. Os não judeus ainda o fazem. Nós ainda o fazemos. Mas por volta do século XII, os judeus começaram a ser marcados - por chapéus, que não eram algo que usavam regularmente naquela época, excepto naquelas pinturas.
Na Idade Média os judeus europeus eram ocasionalmente obrigados a usar chapéus distintivos, o que comprova que a fisionomia não chegava para os distinguir, como acontece com a tez dos africanos ou os olhos dos asiáticos do extremo-oriente:
Foi somente mais tarde nesse século que o nariz judeu distintamente grande e encurvado começou a aparecer, como uma forma de marcar os judeus como feios, grotescos e reconhecíveis. A maior parte do tempo. Há também evidências, como o estudioso Sander Gilman descreve em Making the Body Beautiful: Uma História Cultural da Cirurgia Estética, de judeus retratados com narizes pequenos, como uma forma de associar judeus à sífilis, que ataca a cartilagem do nariz, e que era dantes considerada uma doença moral que os judeus eram acusados de transmitir, permanecendo em grande parte imunes a ela.
Iiiihhh, ca judeus tão feios!!!:
No entanto, foi o grande nariz judeu que se levou a melhor então e ainda nos prende agora. Desde o início do estereótipo inventado, a intenção era criar uma aparência judaica visível. Uma aparência judaica visivelmente ruim. O nariz judeu curvo permaneceu um ponto identificável durante os séculos seguintes, fazendo escola em retratos, literatura fisionómica e literatura médica. Os mestres do retrato ensinavam os artistas sobre como representar o nariz judeu, dando atenção especial ao gancho.
A literatura fisionómica esboçou o suposto elo entre a aparência e o carácter, com forte ênfase no princípio platónico da kalokagathia: “O moralmente melhor, o mais belo. O moralmente pior, o mais deformado”. Por esses padrões, os narizes judeus feios marcavam um feio carácter judeu. Como pretendido.
Não se tratava apenas de tamanho: os textos fisionómicos do final do século XVIII e XIX são muito detalhados sobre narizes, dado o quão proeminentes e visíveis eles são no rosto. Os narizes romanos e aquilinos, ambos grandes, eram bons. Os narizes largos judeus, no entanto, com os seus grandes ganchos descendentes e pontes nasais convexas, eram ruins. Porque, é claro, os judeus eram maus, de modo que os traços associados aos seus narizes também eram problemáticos.
Ihhhhhhh, ca judias tão feias!!!:
A literatura médica entrou em cena, oferecendo maior legitimidade às alegações fisionómicas ao patologizar o nariz judeu. Segundo o cirurgião plástico Beth Preminger, num artigo do JAMA de 2001, o nariz judeu tornou-se uma categoria real na literatura médica, juntamente com explicações sobre como consertá-lo, fixando assim ainda mais o mito nas nossas imaginações colectivas.
Ainda em 1996, os livros de Medicina descrevem a natureza exacta do nariz judeu e os passos cirúrgicos que deveriam ser tomados para curar esse problema. Um nariz simplesmente feio não requer tratamento médico, e qualquer intervenção desse tipo seria uma marca de frivolidade e excesso. Mas um nariz judeu diagnosticável tinha uma "cura" - e muitas pessoas seguiram o conselho durante o século XX: Por mais que narizes grandes sejam associados a judeus, também a rinoplastia o é.
O gosto estético em questão de narizes é função da moda e da política. No século XIX, o nariz de raposa, era associado aos irlandeses, muito criticados, que emigravam para os EUA como uma forma de escapar da fome da batata, e os narizes irlandeses eram considerados pelo menos tão ruins como os narizes judeus. Tal nariz indicava, de acordo com os fisionomistas e aqueles que os seguiam, uma maneira de denegrir a Hibernia e o seu povo, estupidez, avareza e vulgaridade em geral. Na primeira metade do século XX, as cirurgias ao nariz eram feitas não apenas para reduzir o seu tamanho, mas para melhorá-los: nenhum americano de descendência irlandesa na época queria um nariz pequeno e comprido.
A nadadora britânica Rebecca Adlington e tantas outras celebridades não judias, fizeram cirurgias ao nariz.
Mas os estilos mudaram e a associação entre o irlandês e os traços negativos diminuiu. O mesmo aconteceu com a associação entre os narizes de raposa e os irlandeses e os narizes e a estupidez. A ideia do grande nariz judeu mostrou-se mais duradoura. Os nazis ajudaram: as suas imagens anti-semitas grotescas apresentavam, com confiança, judeus de nariz achatado cuja vilania e carácter sub-humano eram tão claros quanto as suas probóscides salientes.
Não importava que aquelas imagens não tivessem correlação com a realidade; a mensagem que comunicavam era clara, eficaz e, em última análise, genocida. E bastava um judeu de nariz grande para os espectadores pensarem que as representações eram precisas. Ou talvez nem mesmo um: Em face da vontade esmagadora de ver e fazer o pior, o que importa a natureza de um rosto real?
A propósito:
"Bebé Perfeito Ariano" era judeu (de nariz fofíssimo!)
O que não quer dizer que não haja narizes grandes entre a população judaica. Todos nós podemos pensar em exemplos de celebridades famosas ou parentes nossos, que (orgulhosamente ou não) ostentam essas características proeminentes. E, dada a sua proeminência, talvez não seja surpresa que narizes grandes ocupem um lugar desproporcional nas nossas mentes e identidades colectivas. Um nariz grande chega para substituir todos os narizes judeus.
É óptimo reivindicar um grande nariz com orgulho. É óptimo para contrariar as mensagens que associavam grandes narizes a personalidades pequenas, insistindo numa identidade judaica positiva em face de séculos de imagens enviando a mensagem oposta. Mas também é aceitar uma narrativa que não é nossa. É afirmar um sistema de crenças que situa o judaísmo no corpo e no sangue, um diatribe comum do racismo científico do século XIX, que também oferece uma maneira muito específica de determinar quem é e não é autenticamente judeu.
O mito do nariz judeu é o mito sobre tipos muito específicos de grandes narizes judeus: asquenazes, europeus e brancos. Adoptando esse recurso como nosso, estamos a traçar linhas em torno de quem “parece judeu” e, na verdade, quem é, no nível do corpo e do sangue, a maioria dos judeus. O que significa que deixamos de fora judeus de cor, judeus por opção, judeus mizrahi e sefarditas e, é claro, todos os judeus que não têm um grande nariz, se aceitarmos a mentira fundamental de que há uma maneira de os nossos rostos parecerem judaicos.
É verdade que existem grandes características geográficas que os judeus de algumas regiões históricas compartilham. Mas elas são apenas uma pequena parte da nossa grande e diversificada comunidade judaica. Quando aceitamos que há um caminho que os judeus tomam, quando aceitamos que há um tipo de nariz que os judeus têm, devemos parar e pensar: quem é que então que não estamos a aceitar como judeu?
Sharrona Pearl é historiadora e teórica do rosto e do corpo. O seu livro mais recente, Transplantes Face On / Face e Ética do Outro, foi publicado pela University of Chicago Press em 2017. Ela escreve para a Lilith Magazine, Revista Aeon, Real Life Mag, no seu site e em outros lugares.
desapontado anos atras os judeus tinham orgulho do nariz semita ate o luciano huck tinha mesmo casando com a loira pra melhorar a raça como disse ele pro neymar
ResponderEliminarMas eles têm! :-) Veja a Barbra Streisand, que nunca operou o seu belo nariz Médio Oriental!
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